Minha mãe dobrava os lençóis no meu quarto quando entrei e ouvi seu choro baixinho. Fiquei em silêncio por um tempo e ainda reticente a chamei: “Mãe”.
Virou-se rapidamente e com os olhos cheios de lágrimas, estendeu-me a mão e me abraçou. Ficamos ali até que o seu choro copioso se acalmasse. 
No auge dos meus 14 anos, eu pouco entendia a vida, quem dirá a morte. Minha avó Mistarda falecera uns dias antes e eu observava a tristeza quieta de minha mãe, embora só a tenha visto chorar neste dia.
Meus pais pouco falavam sobre a morte e se falavam, nada me lembro. A verdade é que também tinham suas dificuldades em lidar com a instantânea e definitiva ausência de um ente querido. Não tenho lembrança de ver meu pai chorar quando minha avó Maria morreu mesmo sabendo que a morte precoce dela fora bastante dolorosa. Eu sei disso porque ainda hoje minhas tias relembram a morte dela com aquele choro engasgado no peito.
Não há receita que cure a morte de uma mãe e isso eu mesma vivi. Mamãe morreu no final de dezembro de um dia quente, quando eu ainda tinha 30 anos. Pensei mesmo que não sobreviveria àquela dor dilacerante que atingia meu peito e por anos nem o carnaval me animava. E eu gosto muito de carnaval. Chorei tanto quanto as águas de março que fecham o verão e foram tempos difíceis, confesso.
Não é mentira quando dizem que o luto vira saudade e a saudade nada mais é que amor infinito. O coração estranhamente volta a bater em compasso e tudo que antes era choro vira riso. Por vezes, riso frouxo, confiem. Às vezes, minha irmã e eu, vemos coisas engraçadas em meio ao turbilhão que passamos. Minha mãe era bem humorada, nós também somos.
Lembro então que todas elas, minha mãe, minhas avós, as mulheres que me cercam, se assemelham pela inesgotável capacidade de verter força feminina mesmo quando o sofrimento é inevitável.
De repente tudo, e sem muita explicação, passou a fazer sentido ao tempo que traço textos pra suprir a falta que minha mãe me faz.
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Esse texto foi escrito em 12/03/2019 para ser publicado em uma uma revista e que não aconteceu. Postei no Facebook no dia 11/05/2019 e foi dedicado a memória da minha mãe, das minhas avós e especialmente para minha irmã que está prestes a ser mãe! 

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