ÉRAMOS DOIS


Sentamos à mesa. Ele e eu. Eu tinha feito uma canja porque ele andava com uma tosse seca que não curava.
- Tem um poema de um escritor português que fala sobre quando todos sentavam a mesa e depois quando todos vão embora.
- Hm, Sei.
- Eu o vi em Curitiba, ele até autografou o livro pra mim. Quer que eu te leia o poema?
- Outro dia você lê.
Ficamos ali em silêncio. Eu bebia uma cerveja, ele um copo água. Entre uma tosse e outra, eu falei:
- Você foi ao médico? Quer que eu te leve para ver essa tosse amanha?
- Fui hoje. Até tomei injeção. Logo eu melhoro.
- Tem que cuidar hein. Tá com uma tosse muito feia. Eu ouço sua tosse de longe.
Enquanto ele raspava o prato, soltou:
- Eu sinto falta da sua mãe.
Minha cara não disfarçou o susto que levei. Nunca tínhamos falado sobre isso, muito menos assim, na mesa do jantar.
Minha mãe tinha morrido há quase sete anos de uma doença rápida que nos deu uma rasteira gigantesca. Falar sobre ela ou sobre a morte dela nunca foi tabu pra mim porque vivi as mazelas do luto a base de choro e discursos emocionados.
- É, isso é rotina pra mim. Sinto falta dela sempre.
- Ela iria ficar feliz de ter uma netinha. O nenê está bem?
- Sim, sim! Ela está bem. Estive lá hoje mesmo. Estão todos bem.
Naquele ano minha irmã e meu cunhado saíram da casa do meu pai logo que descobriram a gravidez dela. Nessa oportunidade, eu voltei a morar com ele após longos anos morando em outra cidade.
Eu disse:
- Mamãe deve estar do lado do nenê o tempo todo. Vez ou outra, ela olha para o nada e sorri. Eu acho tão engraçado, faz a gente confiar que não estamos sozinhos nesse mundo.
Eu já queria emendar um discurso sobre a vida e sobre minhas questões existenciais. Mas meu pai foi enfático:
- O que vc vai fazer da vida quando eu não estiver mais aqui?
- Vou continuar tendo fé na humanidade.
Eu soltei uma risada. Foi a única coisa que me veio a mente. Aquilo era pergunta que se fizesse?
Ele riu também.
- E vc? Como acha que será a eternidade?
- Vou ficar com sua mãe olhando por vocês aqui. Acho que é assim que é, né?
- Creio que sim, Pai. Acho que é assim que é.

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