Paixão por livros
Na última quinta, passei 2 horas em um fila para comprar livros. Era dia Internacional da Mulher e a livraria Saraiva estava dando 50% de desconto em todos os livros da loja.
Fila imensa, muvuca e calor - ar condicionado desligado para espantar os leitores - quase me fizeram desistir mas pensei: Já vim até aqui, agora vou até o fim.
Para passar o tempo, puxei conversa com uma mãe que estava logo a minha frente, as filhas e a afilhada tinham ido ao banheiro. A cesta de compras delas estava lotada, logo avistei um livro do Mia Couto, O fio das Missangas, que me despertou interesse. Eu mesma segurava nas mãos outro livro dele, Terra Sonâmbula. A mãe me contava que a filha do meio era leitora voraz, que desde os 7 anos, logo que alfabetizada, amava a leitura. Tinha uma mini biblioteca em casa e quando perguntavam sugestões para presenteá-la, sem titubear dizia: Livros!
Eis que chegam a fila, a filha mais velha, a fila do meio e a afilhada. Muito articulada, a filha do meio passou a participar da conversa e a me interrogar sobre o que eu andava lendo. Contei então que estava lendo a biografia de Clarice Lispector e que, apesar de ter o livro há anos, só tive maturidade literária para a leitura agora. E ela me contava sobre os livros que lia nas versões originais em inglês; sobre seus livros preferidos, O pequeno Príncipe e Meu pé de Laranja lima (sua mãe já tinha me dito que Meu pé de Laranja Lima era o livro preferido dela pois foi o primeiro que leu na vida).
Perguntou-me se eu gostava de poesia. Eu disse: Claro! Será que tem alguém que não gosta de ler poesia? Ela: muita gente não gosta!
Era fato e eu concordei. Sempre tive gosto pela poesia, de Fernando Pessoa a contemporaneidade de Rupi Kaur, e sempre conseguia me transportar de forma lúcida - as vezes, lúdica, é verdade - para dentro dos versos.
Disse-me que era apaixonada por Leminski - convergimos que Toda Poesia é demais - e estava louca para ler algo de Bukowski. Falei pelo meu amor por escritores de língua portuguesa e da minha tristeza de não achar um livro indicado por um amigo do Gonçalo M. Tavares.
Fila segue, quase metade do caminho. O calor e o cansaço continuam e a imersão pelo mundo dos livros também.
Me conta que leu Simone de Beauvoir e eu lhe digo: Olha, é uma menina muito empoderada! Neste momento, a filha mais velha entra na conversa e diz: É empoderada até demais. Não sabe ficar quieta!
Começa-se uma pequena briga entre as irmãs, uma diz que não vai se calar diante das asneiras que os próprios homens da família ecoam, a outra rebate dizendo que soltamos sorrisos apenas para amenizar a ignorância e não concordar. Digo a ela que essa geração é mesmo mais evoluída e empoderada e que é ótimo que elas não se calem. Encerramos o assunto, logo imaginei que a fila e o cansaço poderiam virar motivos para uma acalorada discussão ali.
Encontro um livro de Saramago e lhe recomendo que leia o Ensaio sobre a Cegueira e que não veja o filme antes disso. Aliás, devia ter dito para NÃO ver mesmo o filme, apesar de todo o brilhantismo de Julianne Moore. Ela me diz para ler 100 sonetos de amor de Pablo Neruda.
Quase chegando aos caixas ainda consigo a proeza de encontrar Revolução dos Bichos de George Orwell, felicidade instantânea naquela lenta e fadigada espera.
Livros pagos, era hora das despedidas. Desejei sorte na caminhada e que ela continuasse devorando livros. Me agradeceu, perguntou meu nome e se apresentou: a filha do meio se chamava Maria Eduarda, era uma jovem vestibulanda que estava em dúvida entre jornalismo, letras e ciências sociais.
Eu, 36 recém completados. Ela 16. Uma paixão em comum.
A estudante, filha do meio, não sabe mas sua sagaz juventude me deu uma tremenda saudade de ter 16 anos de novo!
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